Sensorium: do mar para o rio



No universo da cultura digital, projeto ocupa Salvador e Cachoeira com arte tecnológica em favor do meio ambiente





Criar um dispositivo móvel sensorial para interagir com o meio ambiente, com a arte tecnológica e, especialmente, com as pessoas. Este propósito do projeto Sensorium: do mar para o rio, à primeira vista, pode soar complicado, mas é justamente a capacidade de amplo acesso que fundamenta sua concepção. Enquanto artistas-programadores experimentam maneiras de concretizar um aparelho que possa medir dados relativos à qualidade da água e do ar, todas as descobertas são compartilhadas com o público através do site www.ecoarte.info. A intenção é que o dispositivo produzido permita que pessoas não ligadas à pesquisa científica possam experimentá-lo e compreender os conteúdos por ele gerados. Este diálogo e repartição de modos de fazer ciência são princípios fundamentais do desenvolvimento da cultura digital, universo em que a iniciativa se insere.



E onde a arte entra nesta história? Ela está em cada argumento, em cada passo. Primeiro, porque quem está botando a mão na massa subverte as práticas de engenharia e, de modo artesanal, faz isto como quem cria um objeto artístico. O dispositivo não é apenas técnico, mas também feito com esmero estético, sem que pareça um artefato científico, e sim algo que preza pela apresentação visual e pela mobilidade – e que possa ser recriado por outros que desejem trabalhar com inovação, percepção, conscientização, mobilização. Afinal, a arte advém destes elementos e se manifesta em tão diversificados meios, se valendo de criatividade e ideias, noções muito presentes no Sensorium.



Segundo porque o dispositivo não será simplesmente colocado no ambiente para que alguém de longe possa consultar os números que ele vai indicar. Sim, ele será utilizado para medir, sentir e interpretar o meio ambiente, com sensores apresentando dados que serão captados e visualizados em tempo real. Ocorre que sua inserção será acompanhada por uma série de ações, oficinas e performances artísticas de interação com o espaço público e a comunidade, com presença de convidados ligados às pautas do projeto, nas duas cidades em que ele se instala, durante três dias em cada uma delas: Salvador (19 a 21 de fevereiro) e Cachoeira (25 a 27 de fevereiro), capital e município do Recôncavo da Bahia, incluindo o trajeto fluvial entre elas (23 e 24 de fevereiro). Em meio às intervenções urbanas, debates e reflexões, cidadãos vão experimentar o uso do dispositivo e ser estimulados a perceber o ambiente que os cerca.



Daí vem a fase de agrupamento, tradução e avaliação dos resultados obtidos. Durante três meses, o trabalho de interpretação e visualização de dados será norteado pela busca de formas artísticas e populares de disponibilizar os seus saldos ao grande público. O que os números dirão e registros de todo o processo, em vídeos e documentações, além dos dispositivos expostos à curiosidade de visitantes, vão então ser reunidos numa mostra no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), em julho. Para completar, um DVD vai ser lançado com o intuito de reunir todo este conhecimento, numa tiragem de 500 unidades a ser distribuída para centros de pesquisa, acervos públicos, ONGs e espaços culturais relacionados à arte e à tecnologia.



Coordenado por Karla Brunet, Sensorium: do mar para o rio foi contemplado pelo edital Culturas Digitais 2012, promovido pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, através de sua Assessoria Especial em Culturas Digitais e Juventude. O projeto é realizado no Grupo Ecoarte, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos da Universidade Federal da Bahia (IHAC/UFBA), que, desde 2009, trabalha com arte e tecnologia, tendo o mar como objeto de estudo e a cartografia como inquietação artística. Agora com Sensorium, o mapeamento, o meio ambiente e a água permanecem, desta vez chegando às águas doces do rio.



AÇÕES EM SALVADOR E CACHOEIRA – E ENTRE SALVADOR E CACHOEIRA


Sensorium promove neste mês de fevereiro experimentações com a comunidade de Salvador e Cachoeira, as duas cidades em que o projeto se instala, além do trajeto de barco de um lugar a outro.



Na capital, as ações têm curadoria de Jean Cardoso, coordenador de produção do Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, local que servirá como base das atividades, que serão realizadas entre 19 e 21 de fevereiro. Daí vem a viagem, nos dias 23 e 24, cujo percurso sai do mar para o rio, com pernoite em Maragojipe, já com o dispositivo em funcionamento, coletando dados e criando o mapa de ligação das duas localidades. Chegando ao município de Cachoeira, os trabalhos ocorrem no Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (CAHL/UFRB), sob curadoria de Fernando Rabelo, professor da UFRB, entre 25 e 27 de fevereiro.



A programação se formata como uma oficina teórico-prática, com participação de 24 pessoas de áreas multidisciplinares em cada município, selecionadas pelo interesse por arte, tecnologia e meio ambiente. Além de focar nos conteúdos do Sensorium, especialmente a água, seus usos, características e sensações, a oficina vai tratar de questões ambientais como lixo e reciclagem, criação artística e intervenção urbana.



Em Salvador, no primeiro dia, o dispositivo será apresentado aos alunos, com explicitações de como foi feito e de como funciona. Também serão criadas vestimentas com objetos com LED (sigla de Light Emiting Diode, o diodo emissor de luz), que vão ser utilizadas pelos próprios participantes numa saída com o dispositivo pelo Pelourinho. No segundo dia, haverá um bate-papo com o artista e catador de lixo Maverick, que também ministrará uma oficina para criação de obras artísticas com lixo eletrônico, e uma nova intervenção no Centro Histórico, com olhar centrado no tema lixo. Já no terceiro e último dia, a performance percorre um percurso do Pelourinho ao Porto da Barra, interagindo com pessoas, com o ambiente e com as águas encontradas pelo caminho – ainda que escondidas por detrás de grandes construções.



A CRIAÇÃO DO DISPOSITIVO, SEUS PRINCÍPIOS E TECNOLOGIAS


A criação do dispositivo – a obra artística em si, o objeto de experimentação artística e tecnológica – está sendo realizada na sede do Grupo Ecoarte (IHAC/UFBA), cuja equipe, sob curadoria de Toni Oliveira, participa do trabalho colaborativo. Os envolvidos nessa etapa possuem larga experiência no desenvolvimento de dispositivos DIY (Do It Yourself, o emblemático preceito empreendedor do ‘faça você mesmo’ nascido com o movimento punk da década de 1970), bem como de programação computacional. Também há profissionais fazendo consultoria de design de interface, imagem e audiovisual, design sonoro, programação, eletrônica, artes visuais e oceanografia física.



Os princípios orientadores são a priorização do uso de tecnologias (software e hardware) livres e a facilidade operacional do dispositivo e da leitura e interpretação dos conteúdos por ele gerados, a despeito de trabalhar com dados complexos como os ambientais.



O uso do microcontrolador Arduino (hardware livre) permitirá a conexão simultânea dos diversos sensores de leitura (temperatura do ar e da água, umidade relativa do ar, oxigênio dissolvido, raios UV, níveis de intensidades sonoras, níveis de CO2 etc.) a dispositivos de interpretação desses dados para sua visualização (notebooks, tablets e celulares). Algumas das linguagens de programação usadas para o desenvolvimento dos códigos instalados nos arduinos e tablets são Wiring, C++, Java e Processing, que possibilitam a utilização dos códigos em sistemas operacionais diversos, além de serem softwares livres.




SERVIÇO:


Ações e intervenções artísticas em Salvador

Base das ações: Oi Kabum! (Pelourinho)

Quando: 19 a 21 de fevereiro (terça a quinta), 13 às 21 horas

Viagem de barco entre Salvador e Cachoeira

Quando: 23 e 24 de fevereiro (sábado e domingo, pernoite em Maragojipe)

Ações e intervenções artísticas em Cachoeira

Base das ações: CAHL/UFRB

Quando: 25 a 27 de fevereiro (segunda a quarta), horário a confirmar


Realização: Karla Brunet/ Grupo Ecoarte

Apoio: Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, através do edital Culturas Digitais 2012