Texto poético | Ocupação Jardim

Quisera eu descrever um jardim...

Um jardim mora em nós ou m ora em nossas palavras? Recorro a etimologia e, ela me diz que jardim tem origem no radical garth, que vem de lá das línguas nórdicas e saxônicas, e significa "cintura ou cerca". 
Mas também pode derivar da palavra francesa jardin, cujo significado é "terreno cercado em que se cultivam flores”.

Certamente a etimologia é um caminho. Mas um caminho que não nos leva aos jardins que sonhamos percorrer. A rigor, não se devia dizer nada sobre as coisas, pois toda vez que se tenta dizer algo, a linguagem inaugura um discurso sobre elas, cria uma segunda natureza latente entre nós e as coisas. Então, é possível que, no limite, a distância entre nós e a experiência direta da natureza mesma de tudo, natureza viva e pulsante na sua duração, tenha aumentado de forma quase abissal, por conta de um enorme equívoco: tomar como as coisas o discurso sobre as coisas, ou seja, falar demais e viver de menos.
Os jardins são um tipo de experiência que não pode ser substituída por palavras. Os jardins são um convite ao passeio, à fruição, ao deleite sensual e sensorial de cores, cheiros, formas, texturas e silêncios, em meio a uma multiplicidade de apelos e portas de acessos que se abrem para temporalidades outras que não falam e nem definem nada. Os jardins só tocam ao sentimento, descansam a alma. Os jardins existem para evocar em nós as paisagens perdidas em nossa memória mítica e transcendental.
As artistas da Ocupação JARDIM, Neyde Lantyer, Daniela Steele, Dôra Araújo, Eneida Sanches, Stella Carrozzo e Andrea May, cada uma à sua maneira, nos reconectam com aquela utilíssima paisagem que fomos esquecendo pelo caminho, por estarmos distraídos ou aturdidos pelos ruídos que produzimos nesses tempos de tantas estranhezas e insensibilidade para com a Natureza e a natureza humana. 
Será que esquecemos de exercitar o cuidado diário? Será que matamos as flores e depois, paradoxalmente, as chamamos de sempre - vivas, regando jardins - cemitérios de flores mortas?

Estas seis mulheres artistas, colocam a jardinagem a serviço da arte (e vice - versa), para, ao proporcionar a fruição artística de jardins projetados para ocupar um lugar (em nós) entre a natureza e o discurso sobre a natureza, construir pontes por sobre o abismo que insiste em nos separar do mundo. Elas oferecem flores que cultivaram em incríveis jardins abertos a nossa visitação, como campos e espaços de um manifesto de pura arte contra a morte, a favor da delicadeza da vida, a nós mostrar (nunca a dizer): Eis aqui o mundo ressurgindo no seu ciclo vital, como deve ser, em solstícios e equinócios! Aqui estão as flores que não foram pisadas e, bem aqui, as plantas que restaram nos jardins arruinados pela nossa crescente desumanização...

Nadia Virginia B. Carneiro 
Poeta, fotógrafa e Profa. da Universidade do Estado da Bahia



PS: A mostra está na sua última semana de visitação. Visitem!